TEXTO COMENTADO
Nós, antropólogos sociais, que sistematicamente estudamos
sociedades diferentes, fazemos isso quando viajamos. Em contato com
sistemas sociais diferentes, tomamos consciência de modali-
dades de ordenação espacial diversas que surgem aos nossos senti-
5 dos de modo insólito, apresentando problemas sérios de orientação
(...). E foi curioso e intrigante descobrir em Tóquio que as casas têm
um sistema de endereço pessoalizado e não impessoal como o nos-
so. Tudo muito parecido com as cidades brasileiras do interior on-
de, não obstante cada casa ter um número e cada rua um nome,
10 as pessoas informam ao estrangeiro a posição das moradias de mo-
do pessoalizado e até mesmo íntimo: “A casa do Seu Chico fica ali
em cima.., do lado da mangueira... é uma casa com cadeiras de lona
na varanda.., tem janelas verdes e telhado bem velho.., fica Logo
depois do armazém do Seu Ribeiro...’ Aqui, como vemos, o espaço
15 se confunde com a própria ordem social de modo que, sem enten-
der a sociedade com suas redes de relações sociais e valores, não
se pode interpretar como o espaço é concebido. Aliás, nesses siste-
mas, pode-se dizer que o espaço não existe como uma dimensão so-
cial independente e individualizada, estando sempre misturado, in-
20 terligado ou ‘embebido” — como diria Karl PoLanyi — em outros
valores que servem para orientação geral. No exemplo, sublinhei a
expressão “em cima” para revelar precisamente esse aspecto, da-
do que a sinalização tão banalizada no universo social brasileiro do
“em cima” e do ‘embaixo” nada tem a ver com altitudes topografi-
25 camente assinaladas, mas exprimem regiões sociais convencionais
e locais. Às vezes querem indicar antigüidade (a parte mais velha
da cidade fica mais ‘em cima”). Noutros casos pretendem sugerir
segmentação social e econômica: quem mora ou trabalha embai-
xo’ é mais pobre e tem menos prestígio social e recursos econômi-
30 cos. Tal era o caso da cidade de Salvador no período colonial, quan-
do a chamada ‘cidade baixa”, no dizer de um historiador do perío-
do. ‘era dominada pelo comércio e não pela religião” (dominante.
junto com os serviços públicos mais importantes, na ‘cidade alta”).
“No cais — continua ele dando razão aos nossos argumentos — ma-
35 rinheiros. escravos e estivadores exerciam controle e a área muito
provavelmente fervilhava com a mesma bulha que lá se encontra
hoje em dia” (Cf. Schwartz, 1979: 85). Do mesmo modo e pela mes-
ma sorte de lógica social, são muitas as cidades brasileiras que pos-
suem a sua “rua Direita” mas que jamais terão, penso eu, uma rua
40 Esquerda”! Foi assim no caso do Rio de Janeiro, que além de ter a
sua certíssima rua Direita, realmente localizada à direita do largo
do Paço, possuía também as suas ruas dos Pescadores, Alfândega,
Quitanda (onde havia comércio de fazenda), Ourives — dominada
por joalheiros e artífices de metais raros — e muitas outras, que
45 denunciavam com seus nomes as atividades que nelas se desenro-
lavam. Daniel P. Kidder, missionário norte-americano que aqui resi-
diu entre 1 837 e 1 840. escreveu uma viva e sensível descrição das
ruas do Rio de Janeiro e do seu “movimento”, não deixando de res-
saltar no seu relato alguma surpresa pelos seus estranhos nomes
50 e sua notável, diria eu. metonímia ou unidade de continente e
conteúdo.
Ora, tudo isso contrasta claramente com o modo de assinalar
posições das cidades norte-americanas, onde as coordenadas de in-
dicação são positivamente geométricas, decididamente topográfi-
55 cas e, por causa disso mesmo, pretendem-se estar classificadas por
um código muito mais universal e racional. Assim, as cidades dos
Estados Unidos se orientam muito mais em termos de pontos car-
deais — Norte/Sul, Leste/Oeste — e de um sistema numeral para
ruas e avenidas, do que por qualquer acidente geográfico, ou qual-
60 quer episódio histórico, ou — ainda — alguma característica social
e/ou política. Nova lorque, conforme todos sabemos, é o exemplo
mais bem-acabado disso que é, porém, comum a todos os Estados
Unidos. Se lá então é mais difícil para um brasileiro navegar social-
mente nas cidades e estradas, é simplesmente porque ele (ou ela)
65 não está habituado a uma forma de denotar o espaço onde a forma
de notação surge de modo muito mais individualizado, quantifica-
do e impessoalizado.
DA MATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo.
Brasiliense, 1985. p. 25-7.
Depois de ler o texto do começo ao fim, vemos que ele trata do modo distinto como cada sistema social organiza o espaço.
Depois percebemos o movimento do texto: afirmação de que existem diferentes maneiras de ordenação espacial e, em seguida, ilustração dessa ideia, comparando a maneira de ordenar e denominar o espaço nas cidades brasileiras e a de fazer a mesma operação nas cidades norte-americanas.
O texto divide-se em duas grandes partes: proposição e ilustração.
A segunda parte divide-se segundo o critério de oposição espacial: Brasil x Estados Unidos (Tóquio não é levada em conta, porque a observação a respeito dos endereços no Japão serve apenas para introduzir o problema da indicação dos endereços no Brasil).
Para facilitar, podemos segmentar o texto em três partes:
1) “Nós, antropólogos sociais” até “problemas sérios de orientação”;
2) “E foi curioso e intrigante” até “unidade de continente e de conteúdo”;
3) “Ora, tudo isso contrasta” até o fim.
As partes resumem-se da seguinte maneira:
1) existência de uma ordenação espacial peculiar a cada sistema social;
2) Brasil — ordenação e denominação do espaço a partir de critérios pessoais, sociais;
3) Estados Unidos — ordenação e denominação do espaço a partir de critérios impessoais.
A redação final do resumo pode ser:
Cada sistema social concebe a ordenação do espaço de uma maneira típica. No Brasil, o espaço não é concebido como um elemento independente dos valores sociais, mas está embebido neles. Expressões como “em cima” e “embaixo”, por exemplo, não exprimem propriamente a noção de altitudes mas indicam regiões sociais. As avenidas e ruas recebem nomes indicativos de episódios históricos, de acidentes geográficos ou de alguma característica social ou política. Nas cidades norte-americanas, a orientação espacial é feita pelos pontos cardeais e as ruas e avenidas recebem um número e não um nome. Concebe-se, então, o espaço como um elemento dotado de impessoalidade. sem qualquer relação com os valores sociais.
Resumo
Resumo é uma condensação fiel das idéias ou dos fatos contidos no texto.
Resumir um texto significa reduzi-lo ao seu esqueleto essencial sem perder de vista três elementos:
a)cada uma das partes essenciais do texto;
b)a progressão em que elas se sucedem;
c)a correlação que o texto estabelece entre cada uma dessas partes.
Quem resume deve exprimir, em estilo objetivo, os elementos essenciais do texto. Por isso não cabem, num resumo, comentários ou julgamentos ao que está sendo condensado.
Muitas pessoas julgam que resumir é reproduzir frases ou partes de frases do texto original, construindo uma espécie de “colagem”. Essa “colagem” de fragmentos do texto original não é um resumo. Resumir é apresentar, com as próprias palavras, os pontos relevantes de um texto.
Aconselhamos o uso do seguinte procedimento para diminuir as dificuldades de elaboração do resumo:
1.Ler uma vez o texto ininterruptamente, do começo ao fim. Essa primeira leitura deve ser feita com a preocupação de responder genericamente à seguinte pergunta: do que trata o texto?
2.Uma segunda leitura é sempre necessária. Mas esta, com interrupções, com o lápis na mão, para compreender melhor o significado de palavras difíceis (se preciso, recorra ao dicionário) e para captar o sentido de frases mais complexas (longas, com inversões, com elementos ocultos). Nessa leitura, deve-se ter a preocupação, sobretudo, de compreender bem o sentido das palavras relacionais, responsáveis pelo estabelecimento das conexões (assim, isto, isso, aquilo, aqui, lá, daí, seu, sua, ele, ela, etc.).
3.Num terceiro momento, tentar fazer uma segmentação do texto em blocos de ideias que tenham alguma unidade de significação.
Ao resumir um texto pequeno, pode-se adotar como primeiro critério de segmentação a divisão em parágrafos. Pode ser que se encon¬tre uma segmentação mais ajustada que a dos parágrafos, mas como início de trabalho, o parágrafo pode ser um bom indicador.
Quando se trata de um texto maior (o capítulo de um livro, por exemplo) é conveniente adotar um critério de segmentação mais funcional, o que vai depender de cada texto (as oposições entre os personagens, as oposições de espaço, de tempo).
Em seguida, com palavras abstratas e mais abrangentes, tenta-se resumir a ideia ou as ideias centrais de cada fragmento.
4.Dar a redação final com suas palavras, procurando não só con¬densar os segmentos mas encadeá-los na progressão em que se sucedem no texto e estabelecer as relações entre eles.
EXERCÍCIO
Resuma o texto que segue.
Na verdade, por que desejamos. quase todos nós, aumentar
nossa renda? A primeira vista, pode parecer que desejamos bens
materiais. Mas, na verdade, os desejamos principalmente para im-
pressionar o próximo. Quando um homem muda-se para uma casa
5 maior num bairro melhor, reflete que gente “de mais classe” visi-
tará sua esposa. e que alguns pobretões deixarão de frequentar seu
lar. Quando manda o filho a um bom colégio ou a uma universidade
cara, consola-se das pesadas mensalidades e taxas pensando nas dis-
tinções sociais que tais escolas conferem a pais e filhos. Em toda
10 cidade grande, seja na América ou na Europa, casas iguaizinhas a
outras são mais caras num bairro que noutro, simplesmente po¬-
que o bairro é mais chique. Uma das nossas paixões mais potentes
é o desejo de ser admirado e respeitado. No pé em que estão as coi¬-
sas, a admiração e o respeito são conferidos aos que parecem ricos.
15 Esta é a razão principal de as pessoas quererem ser ricas. Efetiva¬-
mente. os bens adquiridos pelo dinheiro desempenham papel secun¬-
dário. Vejamos, por exemplo, um milionário, que não consegue dis¬-
tinguir um quadro de outro, mas adquiriu uma galeria de antigos
mestres com auxílio de peritos. O único prazer que lhe dão os qua¬-
20 dros é pensar que se sabe quanto pagou por eles: pessoalmente. ele
gozaria mais, pelo sentimento, se comprasse cromos de Natal, dos
mais piegas, que, porém, não lhe satisfazem tanto a vaidade.
Tudo isso pode ser diferente, e o tem sido em muitas socieda-¬
des. Em épocas aristocráticas, os homens eram admirados pelo nas-
25 cimento. Em alguns círculos de Paris, os homens são admirados pelo
seu talento artístico ou literário, por estranho que pareça. Numa
universidade teuta é possível que um homem seja admirado pelo
seu saber. Na Índia, os santos são admirados; na China, os sábios.
O estudo dessas sociedades divergentes demonstra a correção de
30 nossa análise, pois em todas encontramos grande percentagem de
homens indiferentes ao dinheiro, contanto que tenham o suficien-¬
te para se sustentar: mas que desejam ardentemente a posse dos
méritos pelos quais, no seu meio, se conquista o mérito.
RUSSELL, Bertrand. Ensaios céticos. 2. ed. São
Paulo, Nacional, 1957. p. 67-8.
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